-Você vem pra cama hoje, amor?
-Não, acho melhor você dormir sozinho, e eu também.
Então ela pegou sua caneca com chá, ele pegou sua caneca com café. Ele foi pro quarto, ela ficou na sala.
Ela se sentou no sofá, se aconchegou, tomou um gole de chá. Doce ilusão de que só aquilo a esquentaria.
Passou a mão por seus cabelos cabelos roxos cacheados, colocou a caneca de lado, então cruzou os braços.
Começou a pensar em tudo, e é como se uma cachoeira começasse a jorrar, tomava conta de todo o seu corpo, e quando descruzou os braços e passou as mãos pelo rosto tudo que saia era saudades, dor, escorria, corria com medo e queria ir embora daquele corpo.
E ela pensava como poderia amar alguém tanto assim, como aqueles olhos eram tão lindos, como aquela boca cheia de dentes sorrindo a encantava.
Talvez fosse o jeito que toda vez que ele ia sorrir fechava os olhos e abria seguido de um sorriso, mas no meio de tudo isso ainda virava um pouco a cabeça. Tudo era o conjunto de avisos do brilho do sorriso que viria a seguir desses movimentos.
Talvez fosse o jeito que ele a abraçava, sempre bem forte, de olhos bem fechados para não deixar ela escapar nunca.
Ou talvez fosse o amor com que ele a beijava, como eram doces aqueles lábios e como o seu beijo tirava o seu fôlego.
Talvez como ele a beijava no meio de uma discussão e como era bom fazer amor depois de brigar.
Ou talvez como ele a fazia sorrir todas a manhãs, ou como sempre se esforçava para tentar arrancar uma risada dela.
Talvez fosse tudo o que ele é, o bom coração, o charme, o cuidado, o brilho no olhar quando ele olhava pra ela.
E ela pensava como era difícil as partes ruins, desejava em silêncio que essa chuva passasse e que a cacheira levasse embora todas as coisas ruins.
Desejava que a tempestade não voltasse.
Enxugou a cachoeira, foi até o quarto só para ver como ele estava. Já tinha adormecido.
Chegou perto em silêncio, acariciou seus cabelos, deu um beijo em sua testa.
Sussurrou no seu ouvido:
-Me desculpa, é por nós dois.
Beijou sua testa, foi até a sala, puxou uma cadeira para perto da janela, observou a chuva caindo, a janela molhada, todo o barulho que fazia.
Ficou um tempo calada, depois decidiu abrir a janela, pulou.
Tentara cair no próprio abismo do seu coração, queria se salvar e achou que o melhor jeito era se afogar na chuva.
Pensava todo tempo "é por nós dois, quando eu voltar eu te resgato."
Queria se salvar dela mesma e facilitar as coisas.
Para que tudo passasse achou melhor passar um tempo mergulhada na imensidão.
Por eles dois.